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Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas |
Lá no (de)sertão do sul da Bahia, onde o rio São Francisco dá lugar à caatinga, o que não falta é literatura de cordel inspirada na vida do cangaço e de jagunços. Mesmo antes de Guimarães Rosa nascer, podemos contar aos milhares a quantidade de folhetins com inspiração nos Brigantaggio italianos.
Consul na Europa, diplomata viajado, médico, inteligente e culto, o que Rosa fez foi trazer arte à literatura de cordel. Trouxe Dom Quixote para o Liso do Sussuarão. Doou a sua própria erudição para a boca do jagunço Riobaldo. Bebeu de todas as fontes, mas na hora de se expressar, fê-lo de forma genuinamente brasileira.
Não faço ideia se Rosa foi o primeiro a transformar os conflitos universais da literatura mundial numa linguagem regionalista tipicamente brasileira, mas foi o primeiro a trazer a erudição para a boca de um jagunço. Ao fazer isso, misturou toda uma geração. Rosa inspirou, por exemplo, Raul Seixas, a agregar o autêntico rock americano ao ritmo e linguagem puramente brasileiras.
Na obra, o sertão é visto e vivido de uma maneira subjetiva. Nunca iremos saber realmente quais foram as reais emoções, sentimentos e pensamentos de Riobaldo, como nunca iremos saber o que se passou na cabeça de Rosa para compor o monólogo. Quem é compadre Quelemém? Diadorim foi mesmo enterrado(a)? O diabo estava ou não estava na encruzilhada?
Nunca li esta obra prima do início ao fim. Sempre li trechos. Trechos de frente para trás e de trás para frente. Sempre em voz alta, para ouvir os sons do livro, muitos e diversificados. Guardada as devidas proporções, tento colocar-me como um enólogo a provar um Montalcino raro. O enólogo não precisa e não quer beber toda a garrafa. Muitas vezes nem chega a mandar o líquido para dentro: boceja, gargareja e cospe. Sempre me coloquei nessa posição ao ler Grande Sertão: Veredas.
“Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será aberta. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e àquele que bate, a porta será aberta. – Mateus 7:7-8
Devido a sua subjetividade, toda vez que volto ao livro encontro algo novo e lembro do versículo de Mateus.
Atenção: Antes de bater à porta de Grande Sertão: Veredas é preciso primeiro pedir ao instituto Butantan um frasquinho do soro antilonômico. Sem ele corre-se o risco de se ter queimaduras nos olhos, inchaço no cérebro, vermelhidão no pensamento, e em casos mais graves, hemorragia e morte dos nossos próprios conflitos internos (perigo!).
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