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John Fowles - O Colecionador |
O
colecionador é um livro que tem inspirado suicidas, assassinos em série,
sequestradores, e criminosos do pior feitio espalhados pelo mundo, mas o motivo
pelo qual me inspirou tem a ver com um alcance muito mais amplo do que adorar
um maluco qualquer que gosta de coligir lepidópteros e sequestrar adolescentes
para trancá-las num sótão e colecioná-las como se fossem borboletas.
Basicamente
o livro trata de um sequestro elaborado por Clegg e toda a perspectiva do
sequestrador, desde o início da paixão por Miranda (a sequestrada), até o sequestro
em si, mostrados na primeira parte do livro. A segunda é toda escrita com a
perspectiva de Miranda, que escreve num diário o seu sentimento que vive no
cárcere. A terceira, na perspectiva de ambos, mas narrado por Clegg, não vou
contar pois estragaria o “suspense do livro”. A quarta, quase um epílogo, é tão
boa que deixo uma amostra:
“Outra coisa: essa manhã, em
Lewes, uma verdadeira coincidência, eu dirigia-me para a loja de flores, quando
vi uma moça de calças compridas atravessar a rua. Tive um choque pensando que
estava vendo um fantasma. A moça tinha a mesma espécie de cabelo, embora mais
curto; enfim, era do mesmo tamanho e andava da mesma maneira. Tal e qual
Miranda. Não consegui desviar os olhos dessa moça. Segui-a e vi-a entrar num
grande armazém, Woolworths. Fui atrás dela e descobri que trabalha na seção de doces.
Enfim, voltei para casa com
as aspirinas e as flores, ainda disposto a agir conforme planejara. Decidi
pensar melhor e, entretanto, encontrei o diário.”
O
inglês John Fowles, tinha 37 anos quando publicou O colecionador. Sem querer, criou
a narrativa em blocos, ou seja, dividiu o livro em blocos narrativos, no caso três, e construiu para cada narrativa uma perspectiva diferente passado no mesmo
tempo narrativo. A ambiguidade do texto sai reforçada, porque, ao seguirmos o
tempo narrativo do bloco de Clegg criamos uma imagem de Miranda que fica
totalmente desfeita quando voltamos a reler a história agora sobre a
perspectiva de Miranda. No terceiro bloco voltamos a sofrer uma ruptura das
nossas convicções quando lemos a perspectiva de Clegg e Miranda alteradas pelo
tempo narrativo que vai e volta. São vários pontos de vista num único momento
do tempo, que nos obriga a construir a verdade, a nossa verdade, ao invés de
nos deixarmos seduzir pela visão do autor.
O
colecionador não é para ser lido em papel. Alguma editora deve editá-lo em
formato eletrônico, com hiperlinks para serem colocados em centenas de momentos-chaves do livro (leia agora o que Miranda pensa sobre isso) (leia agora o que
Clegg pensa sobre isso).
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