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Ariano Suassuna - Auto da Compadecida |
Tempos difíceis os que vivemos, com o falecimento de três
grandes gênios da literatura em tão pouco tempo. Parece mórbido estar a
comentar o trabalho de um escritor dias após o seu falecimento, mas não poderia
deixar de prestar homenagem a Ariano Suassuna e de como ele me influenciou a
tratar dos assuntos mais sérios do mundo, da forma mais simples.
As maiores obras da literatura universal são as mais simples
possíveis. Sem subterfúgios, estúrdias e descomedimentos morais, materiais,
sociais ou psicológicos, um objeto
literário só faz sucesso se o leitor tomar a obra como verdadeira e o escritor
que a escreveu como humilde e não arrogante. Quando os assuntos mais complexos
são tratados como se fossem bolhas de sabão, e essas bolhas ao invés de
simplesmente estourarem, permanecerem a flutuar no imaginário de quem leu, estamos
perante uma obra de arte. E, quando essa obra de arte se mistura com a cultura
popular ao ponto de, misturados, tornarem-se peça única que sobrevive no tempo como
referência para um povo, estamos perante um clássico.
Auto da Compadecida, clássico, talvez seja a peça teatral brasileira mais
complexa já feita e a mais simples de representar. Estão lá o espírito cristão,
a traição, a corrupção na Igreja, a crítica
social, a espiritualidade, a redenção do homem por Cristo, a inveja, a cobiça, mas o povo leitor só se lembra de Chicó, de
João Grilo, Severino, António Morais, representados
de forma simples, porém, autêntica.
Dizem que Suassuna copiou da literatura de Cordel nordestina
todos os episódios da sua peça. O enterro do cachorro, a gaita ressuscitadora,
o gato que descome dinheiro, o
julgamento com a intervenção da Nossa Senhora da Aparecida, sim, já existiam,
mas estavam dispersos em livrinhos pendurados em cordas! Até como arranjador e
compilador o mestre foi genial!
Não é a toa que o presidente do Uruguai José Pepe Mujica escolheu
a peça como o seu livro de cabeceira e diz que quando estiver para morrer pretende
um cenário igual ao do Juízo Final retratado por Suassuna, para que possa descansar em paz
em Rincon del Cerro.
Os publicitários em suas pesquisas de mercado utilizam a
técnica da lembrança espontânea para analisarem o recall de uma marca. Se me
perguntassem de repente, sem nenhum estímulo, sobre o nome de um personagem
qualquer brasileiro representado na dramaturgia, escolheria de primeira: João grilo!
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